Ribeirão Pires

Após o título, o goleiro alternou na reserva com a busca por protagonismo

Referência no gol do Cambotas, Nilson conquistou título inédito com a equipe do Santo André em 2004

Campeão da Copa do Brasil em 2004 pelo Santo André, o goleiro Nilson segue firme nas traves. Aos 41 anos, ainda veste luvas e encara finais com o mesmo brilho no olhar de quando chegou ao profissional duas décadas atrás. No sábado (19), ele disputará a final do Campeonato Municipal de Veteranos por Ribeirão Pires defendendo o Cambotas FC, e a caminhada até aqui é marcada por superações e amor ao esporte.“Fico muito contente em estar fazendo o que fiz praticamente metade da minha vida”, comentou Nilson, que vive o futebol desde a adolescência. E assim como muitas crianças sonham até hoje, ele também sonhava em se tornar um profissional. Mesmo com três cirurgias, uma em cada joelho e outra na canela e tíbia, ele ainda segue jogando. Já chegou à semifinal em Rio Grande, Ribeirão Pires e, neste sábado, vai disputar mais uma decisão, agora pelos veteranos.A campanha do Santo André em 2004 foi inesquecível para Nilson. Recém-promovido ao elenco profissional naquele mesmo ano, ele viu de perto um dos feitos mais improváveis do futebol brasileiro. “Foi logo quando cheguei e já subi pro profissional. Imagina, conquistar um título tão cobiçado logo de cara, muitos jogadores consagrados, até com passagem pela Seleção, não têm essa taça. E eu tenho”, valoriza. Mesmo sem entrar em campo, o goleiro integrou um grupo desacreditado no início da competição, mas que eliminou gigantes pelo caminho. “Passamos por Atlético-MG, Guarani e o XV de Campo Bom, que era muito falado na época, com patrocínios fortes. E conseguimos vencer”, relembrou. Para ele, aquela conquista mostrou que o Santo André tinha mais que garra: tinha competência.A final contra o Flamengo está vívida na memória. O empate por 2 a 2 na ida fez o elenco acreditar. Chamusca, técnico da equipe, cravou que a volta no Maracanã seria 2 a 0 para o Ramalhão. E foi. “2 a 2 aqui, mas a gente vai jogar lá e vai ser 2 a 0 pra nós, aonde vamos jogar fechadinho com 60 mil torcedores assistindo ao jogo, e daqui a pouco eles vão começar a vaiar o time do Flamengo e nós vamos ganhar, pode ter certeza”, disse Péricles Chamusca, comandante na época. E venceram. "Era um time desacreditado, na verdade", recordou Nilson. "Quem imaginaria? Um time com um gramado ruim como o do Bruno Daniel. Tanto que, quando fomos jogar contra o XV de Campo Bom, viramos meme. Diziam que o XV era de Campo Bom e o Santo André de campo ruim”, acrescentou.Nos bastidores, o clima era outro. Havia tensão, concentração, a noção de que aquele era o jogo das vidas deles. "Nosso elenco não tinha salários altos, não ganhávamos muito. Mas mesmo sem grandes nomes ou investimento, a gente acreditava", completou o ex-goleiro.O elenco era barato, os salários baixos, mas a vontade sobrava. Nilson viveu bastidores intensos naquele 2004. Jogadores como Richarlyson, Bruno César e Ricardo Goulart passaram por ali. “Peguei a melhor fase do Santo André. Era uma das maiores vitrines do futebol paulista, mesmo sem mídia.”Depois da histórica conquista da Copa do Brasil, Nilson permaneceu por um bom tempo no Santo André. “Não fui emprestado, então foi um longo tempo na reserva”, contou. A disputa por espaço era acirrada: o jovem goleiro dividia posição com nomes como Ângelo, que mais tarde seguiria carreira na Itália, Marcelo Bonan, com passagens pelo Coritiba, e Neneca, um dos grandes ídolos da história do Santo André. Mesmo sem a titularidade, Nilson viveu de perto momentos importantes do clube e amadureceu convivendo com atletas de alto nível. Em 2010, o vínculo com o Ramalhão chegou ao fim, e ele seguiu para o futebol sergipano, onde disputou duas edições do campeonato estadual. A experiência, no entanto, foi marcada por contratos curtos, intervalos longos sem jogar e a instabilidade típica dos clubes de menor expressão, que não contam com calendário anual. Após essa passagem pelo Nordeste, decidiu encerrar a carreira no futebol profissional.O chamado da várzea veio em 2013. E Nilson aceitou. Defendeu o Scorpions na Divisão Especial de Mauá e brilhou logo na sua primeira competição. “Nas semifinais, defendi um pênalti do Galego, meu ex-companheiro de Santo André. Dois campeões da Copa do Brasil decidindo uma vaga na final da várzea de Mauá. É marcante.”O Scorpions seguiu firme até o fim da competição e sagrou-se campeão pela primeira e única vez até então da Especial de Mauá.Hoje, ele defende o Cambotas no Veterano de Ribeirão. Recebeu o convite do treinador Douglas e, com o título de 2024, o time busca mais. “Me sinto muito feliz em jogar em alto nível ainda. Aprendi a lidar com calor, chuva, frio. Estou aqui para ajudar com defesas e experiência.”Sobre espírito competitivo, Nilson é direto: “Entramos sempre pra ganhar. Futebol é nossa segunda família. Passamos muito tempo juntos. A gente quer vencer, independentemente de ser várzea ou profissional.”Ele enxerga a várzea como um caminho natural para quem viveu o futebol profissional. “A carreira é curta. Você joga, no máximo, 15, 17 anos em alto nível. E nem sempre isso é suficiente pra se manter ou comprar uma casa”, observou. Enquanto alguns mudam de vida com um único contrato milionário, outros seguem batalhando em clubes menores, onde os salários não garantem estabilidade. Nesse cenário, a várzea oferece uma alternativa digna: é possível trabalhar durante a semana e competir aos fins de semana. “Muitas vezes, algum diretor ou patrocinador dá uma força também. Isso ajuda bastante.”Quando olha pra base, ele manda o recado: nunca desistam. “Vi jogador quase sendo dispensado virar craque. O Rodriguinho, por exemplo. Estava pra sair e virou destaque em 2010. Foi ao Fluminense e até pra Ásia. O futebol tem disso.”Para o futuro, Nilson já tem planos. Estuda para se tornar agente de jogadores. Quer continuar no meio que o moldou, agora nos bastidores. “Joguei em muitos clubes, conheço campo e vestiário. Não ganhei muito dinheiro, mas tenho bagagem. Posso usar isso pra ajudar quem tá começando.”E até lá, com ou sem chuva, Nilson segue ali, no gol, esperando mais uma decisão. Como sempre fez.